“Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cincoenta”, declarou Mário de Andrade (1893-1945), num de seus versos mais conhecidos. Em outro poema, o escritor paulista, um dos principais líderes do modernismo brasileiro, parece deixar a receita para decifrá-lo: “É só tirar a cortina / Que entra luz nesta escurez”. Com uma ressalva: “Para quem me rejeita, trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou”.

A despeito de tantas pistas, mesmo quem o aceitou não deu conta, pelo menos até hoje, de retratar em definitivo o autor de Pauliceia Desvairada (1922), Amar, Verbo Intransitivo (1927) e Macunaíma (1928). Decorridos 126 anos de seu nascimento e 74 anos de sua morte, Mário é o segundo escritor mais estudado nas universidades do Brasil, atrás apenas de Machado de Assis (1839-1908). Só agora, porém, ganhou um trabalho biográfico de fôlego, o recém-lançado Em Busca da Alma Brasileira – Biografia de Mário de Andrade (Estação Brasil, Sextante), do jornalista Jason Tércio.

Desde que iniciou a pesquisa para seu livro, no final da década passada, Tércio dizia saber onde se metia. A vida privada de Mário era um mistério cercado de rumores por todos os lados. A vida pública já foi alvo de milhares de artigos jornalísticos e trabalhos acadêmicos. Dissecar uma e outra é uma aventura. Relacioná-las e interpretá-las com equilíbrio, uma epopeia. Em Busca da Alma Brasileira cumpriu as duas missões com louvor!

Enquanto a biografia sofria adiamentos e não vinha à tona, um dos 300 ou 350 Mários de Andrade mereceu atenção especial. A figura do Mário gestor, com destaque para sua atuação à frente do Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo (1935-1938), sobressaiu nesta segunda década do século 21.

Para isso contribuíram, decisivamente, três livros publicados nos últimos anos: Um Poeta na Política – Mário de Andrade, Paixão e Compromisso, de Helena Bomeny (Editora Casa da Palavra, 2012); Eu Sou Trezentos – Mário de Andrade: Vida e Obra, de Eduardo Jardim (Edições de Janeiro, 2015); e, em especial, Me Esqueci Completamente de Mim, Sou um Departamento de Cultura, de Carlos Augusto Calil e Flávio Rodrigo Penteado (Imprensa Oficial, 2015). Sem contar a Ocupação Mário de Andrade, promovida em 2013, no Itaú Cultural, em São Paulo, ressaltando os feitos do escritor “nos campos da gestão e da política cultural, em tempos nos quais esses termos não eram usuais”.